Descumprimento da cota de gênero pode derrubar chapas eleitas
Desde os anos 1990 o Brasil vem adotando regras eleitorais para que a quantidade de mulheres candidatas e eleitas nas eleições proporcionais possa aumentar. Já tardio, o voto feminino só foi permitido a partir de 1932, sendo condicionado a uma série de fatores. Apenas dois anos mais tarde, as restrições ao voto das mulheres foram eliminadas, entretanto, a obrigatoriedade permaneceu sendo apenas aos homens. Em 1946, se tornou obrigatório o voto para ambos os gêneros.
Cerca de 50 anos depois, entram em vigor as primeiras leis de ação afirmativa para mulheres. Na época, em 1995, apelidada de “Lei das Cotas”, era previsto que 20% da lista de candidatos deveria ser preenchida por candidatas mulheres, contudo, era válida somente para as câmaras municipais. Dois anos mais tarde, em 1997, a participação das mulheres viria a aumentar: a medida deveria ser considerada para além das câmaras municipais, estendendo-se também para as assembleias estaduais e Câmara dos Deputados. Ficou de fora o Senado Federal. Vale ressaltar que em Goiás, até hoje, apenas Lúcia Vânia chegou a ser eleita para o Senado. A partir de então, passou-se, do mínimo de 20% instituído em 1995 para 30%. A medida, apesar de bem intencionada, não parece surtir efeito nas urnas, visto que não menciona sobre paridade de gênero nas cadeiras que serão ocupadas, servindo somente para número eleitoral.
Em Goiânia, na última semana, o Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (TRE-GO) decidiu derrubar a chapa dos vereadores eleitos nas eleições de 2020 do Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) por descumprimento das cotas de gênero. Na época das eleições, o PRTB foi um dos partidos que apresentou o Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (Drap) com o percentual mínimo de candidatas mulheres na chapa de vereadores, mas perdeu a proporção durante a campanha e chegou às urnas sem cumprir cotas, sendo suspeito de ter candidaturas fantasmas de mulheres.
Segundo o advogado eleitoral Julio Meirelles, as agremiações possuem um prazo considerável para apresentação de nomes antes da campanha, sendo neste ano até o dia 15 de agosto, após escolha em convenções partidárias, realizadas entre os dias 20 de julho a 5 de agosto.
Questionado sobre a substituição de candidatos, o eleitoralista afirma que é permitido somente em alguns casos, quando o candidato por “considerado inelegível, renunciar ou falecer após o término final do prazo do registro ou, ainda, tiver seu registro indeferido ou cancelado, sendo possível somente até 20 dias antes do primeiro turno do pleito”. O advogado destaca ainda que a Justiça Eleitoral possui o entendimento de que a chapa proporcional não pode ser invalidada, dessa forma, não há como substituir candidatos. “As chapas proporcionais são registradas por meio Drap. Esse instrumento é analisado e pode ser impugnado caso não preencha os requisitos, quando há candidatos inelegíveis ou que não cumpram a cota de gênero”.
Como uma forma de coibir as candidaturas “laranjas” de mulheres, desde 2020, as chamadas “candidaturas inexistentes”, ou seja, indicação de mulheres sem a anuência destas, é barrada através de uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral de 2019. Segundo o texto, é determinado que o cálculo dos percentuais de candidatos para cada gênero terá como base o número de candidaturas efetivamente requeridas pelo partido político, com a devida autorização do candidato ou candidata, ou seja, cada legenda deve apresentar a autorização por escrito de todas as candidatas.
Ainda assim, os partidos correm o risco de serem cassados, se eleitos, quando alcançam apenas o limítrofe das candidaturas de cada gênero. No ano passado, o alvo do Ministério Público Eleitoral (MPE) foi o Partido Social Cristão (PSC), quando nas eleições de 2020, o percentual de candidaturas femininas ficou em 29,27%. Na época, o partido concorreu com 13 candidatos no total e, uma das mulheres, acabou tendo a sua candidatura indeferida no meio do caminho. Segundo o servidor do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) e professor de Direito Eleitoral, Alexandre Azevedo, os partidos devem adotar uma postura diferente para o cumprimento das cotas. “As siglas têm dificuldades em preencher o mínimo com mulheres pois, na maioria das vezes, buscam candidaturas femininas em cima da hora. Não há um preparo, não há uma escolha deliberada para uma pré-campanha dessas mulheres, elas são escolhidas ali já na bacia das almas, com algumas que pretendem se candidatar mais por entusiasmos do que preparo e aí depois o partido sofre as consequências tanto por desistências formais ou informais”, pontua o analista. A desistência formal é quando o postulante ao cargo apresenta um requerimento à Justiça Eleitoral desistindo da candidatura. Já a desistência informal acontece quando o candidato simplesmente deixa de fazer os atos de campanha, como exemplo, a abertura de conta jurídica e prestação de contas.
Ainda, segundo Azevedo, já nos atos pré-campanha, os partidos deixam de cumprir as cotas mínimas. “Embora não haja registros de candidaturas, a gente vê que as siglas possuem uma predileção para patrocinar as campanhas masculinas em detrimento das candidaturas femininas. Quase não se vê lançamento de candidaturas de mulheres e isso acaba desincentivando as participações. Elas acabam se vendo apenas como um objeto para cumprimento de cotas”, ressalta.