Select Page

Dengue decola em Goiás – cientistas inovam contra a doença

Dengue decola em Goiás – cientistas inovam contra a doença

O número de casos de doenças transmitidas pelo mosquito Aedes Aegypti explodiu em Goiás neste ano. Apenas na primeira semana de 2022, as notificações de dengue aumentaram 572% em comparação com a primeira semana de 2021. Desde o início do ano até a data do fechamento desta edição, foram 56.470 casos confirmados e 21 óbitos – no mesmo período de 2021 se registrou 20.282 casos e 15 óbitos. 

O crescimento foi tão expressivo que colocou Goiás em segundo lugar entre os estados com mais mortes pela doença, atrás apenas da Bahia. Além da dengue, também cresceu o número de notificações para chikugunya – de 1.171 casos notificados no ano passado para 2.704 casos neste ano, uma variação de 131% – e de zika – que saiu de 29 notificações no ano passado para 104 notificações neste ano; embora o número de casos de zika confirmados tenha caído de 15 para 11 até o momento. 

Todas essas doenças são arboviroses. Tratam-se de patologias causadas por vírus que são transmitidos pela picada de artrópodes (arbovirose é uma contração do termo em inglês arthropod-borne virus). São assim designados não somente pela sua veiculação através de artrópodes, mas principalmente pelo fato de parte de seu ciclo replicativo ocorrer nos insetos.

O coordenador estadual de Dengue, Zika e Chikungunya da Secretaria de Saúde de Goiás, Murilo do Carmo, afirmou que vários fatores contribuíram para estes resultados ruins no estado, como a circulação concomitante de dois sorotipos do vírus da dengue, tipos 1 e 2. “Tivemos um intenso período chuvoso no Estado de Goiás, que fez com que aumentasse a oferta de água nos criadouros e favorecesse a multiplicação de Aedes aegypti. Somado a isso, tivemos baixa adesão da sociedade em campanhas de combate aos criadouros do mosquito”, analisou.

Virologia 

Fabíola Fiaccadori, professora e doutora em Microbiologia e Virologia, pesquisa os arbovírus na Universidade Federal de Goiás (UFG). A cientista afirma que a análise da dispersão do vírus da dengue na população ao longo dos anos revela ciclos no contágio da doença. Isso ocorre pois o vírus da dengue possui quatro sorotipos diferentes e a infecção do hospedeiro por uma cepa não garante a imunidade contra outras variantes, além de ser uma proteção passageira. Desta forma, a circulação prolongada de um determinado sorotipo gera na população a imunidade coletiva contra este sorotipo em questão, mas também cria oportunidade para sorotipos diferentes. 

“Eventualmente, a entrada de um sorotipo coincide com o momento em que há um bolsão de pessoas suscetíveis”, explica Fabíola Fiaccadori. “Às vezes, isto é associado ainda ao contexto ambiental, com o favorecimento a replicação do mosquito que é vetor da doença. Nessas ocasiões, vemos o pico no número de casos que estamos presenciando agora.” 

É diferente dos vírus das doenças chikungunya e zika, em que há apenas um sorotipo. O aumento de casos da chikungunya se explica pelo fato de que, desde a entrada da doença no Brasil, Goiás foi pouco exposto, ao contrário de estados como Rio de Janeiro e Bahia,  de forma que poucas pessoas desenvolveram imunidade contra o vírus. Diferentemente, o vírus causador da doença zika já havia castigado os goianos em 2016, e seu crescimento mais lento pode ser explicado pelo obstáculo da imunidade desenvolvido nesta data. 

Imunologia

O fator dos múltiplos sorotipos ajuda a explicar a dificuldade de se desenvolver uma vacina que previna todos os tipos de dengue. Com quatro cepas circulantes, em constante mutação, o desafio de criar uma única plataforma vacinal é complexo. Atualmente, existe uma vacina contra a dengue no sistema particular de saúde, com eficácia geral de 60,8%. O imunizante é composto por três doses administradas com intervalo de seis meses; só pode ser aplicado em indivíduos entre 9 e 45 anos de idade; e possui seis contraindicações.

Entretanto, o desafio que impede que essa vacina seja comprada pelo poder público e administrada amplamente para toda a população via Sistema Único de Saúde é ainda mais complicado de se superar. Fabíola Fiaccadori explica que a imunidade parcial contra o vírus da dengue não é necessariamente favorável ao hospedeiro na evolução da infecção. É comum ouvirmos aforismos como: “a terceira dengue é pior”. Existe alguma verdade na declaração, pois parte dos sintomas do paciente com dengue estão vinculados à própria resposta imunológica do hospedeiro.

Fabiola Fiaccadori | Foto: Fernando Leite / Jornal Opção

Isso não necessariamente significa que alguma proteção prévia contra o vírus causará obrigatoriamente a forma mais grave da doença. Também não quer dizer que a primeira infecção por dengue é sempre leve. Mas significa que medidas de saúde pública aplicadas a toda a população devem ser mais cuidadosas. “O primeiro contato com um sorotipo da dengue causa uma resposta imune no hospedeiro; a reinfecção por outro sorotipo pode agravar o segundo caso da doença. Da mesma forma que a infecção natural induz uma resposta imune que pode complicar casos de reinfecção por sorotipos diferentes, a vacina também induz uma resposta imune. Por isso, a imunopatogênese (compreensão acerca de como a doença é mediada pelo sistema imune) complica o cenário”, afirma Fabíola Fiaccadori.

Desde 2009, pesquisadores do Butantan estudam a produção de uma vacina contra o vírus da dengue. Ela ainda não tem previsão de distribuição à população, mas ensaios clínicos estão avançados. Esse imunizante usa a técnica de vírus atenuado, apresentando o vírus da dengue ao organismo e induzindo a produção de anticorpos sem causar a doença. A tecnologia foi patenteada pelo instituto e pela farmacêutica Merck em 2021.

Os ensaios clínicos da fase três da vacina estão em andamento. A previsão é que a pesquisa seja finalizada até 2024. Em paralelo aos estudos clínicos, o Butantan estuda o escalonamento da vacina, ou seja, a elevação da produção para nível industrial. “A vacina vai ser um dos principais componentes de combate à doença, mas é importante ressaltar que não é só a vacina que vai combater a dengue. Nós temos que continuar realizando todas as outras formas de ajudar a combater o mosquito e, portanto, a transmissão da dengue”, afirma o diretor do Centro de Segurança Clínica e Gestão de Risco: Farmacovigilância e Farmacoepidemiologia, Alexander Precioso. 

“As pessoas vacinadas vão evitar hospitalizações e mortes e isso vai tornar a dengue controlada no país”, explica Neuza. “Em qualquer situação é importante agir na prevenção. Na saúde pública a prevenção de doenças é feita principalmente com as vacinas”, completa. 

Controle do Vetor

Por todas as dificuldades envolvidas na produção de um imunizante contra a dengue, o controle do vetor, o mosquito Aedes aegypti, é a alternativa mais fácil, barata e prática. Entretanto, o sucesso desta tarefa depende de engajamento social, com a extinção dos criadores onde os mosquitos se multiplicam, por exemplo. Por isso, pesquisadores tentam desenvolver novas formas de diminuir a quantidade de vetores no ambiente ou dificultar a replicação viral dentro do vetor.

Grânulos com microescleródios de Metarhizium são eficazes contra Aedes aegypti | Foto: Reprodução /Portal Embrapa

Nos últimos anos, um grupo de pesquisadores liderado pelo professor Wolf Christian Luz do Laboratório de Patologia de Invertebrados do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública (LPI/IPTSP) da UFG desenvolveu um método de infectar os adultos, larvas e ovos Aedes aegypti com um fungo letal para o mosquito. Trata-se de uma técnica para atrair os insetos para um local com água, que se assemelha a um criadouro para o mosquito. Ali, a umidade está carregada de partes (conídios e microescleródios) do fungo Metarhizium humberi. 

Este fungo é uma espécie nova, descrita em 2001 pelo grupo liderado pelo professor Christian a partir de amostras de solo coletadas no Cerrado.  “A linhagem Metarhizium humberi IP 46 utilizada na nossa pesquisa já foi estudada intensamente em Aedes aegypti em condições de laboratório e apresenta atividade inseticida em ovos, larvas e adultos desse vetor”, esclarece Christian.  

A ideia de distribuir o dispositivo em áreas peridomiciliares é promissora e os testes em laboratório mostraram bons resultados, mas deve-se ressaltar que o estudo foi realizado sob condições controladas. Fabíola Fiaccadori lembra da dificuldade prática de aplicar boas ideias no ambiente em larga escala: “Os vetores são criados nas casas das pessoas, mas nossas ferramentas de controle do vetor são via Estado. É difícil conseguir adesão social e aplicar as técnicas em locais que estão fora do alcance do Estado.

About The Author

Leave a reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *