Select Page

Goiás tem 60 municípios com mais eleitores que habitantes

Goiás tem 60 municípios com mais eleitores que habitantes

Edson Leite JúniorEntenda as possíveis causas de existir mais pessoas com domicílio eleitoral do que moradores em dezenas de municípios do EstadoDos 246 municípios de Goiás, 60 têm mais eleitores do que habitantes. Isso quer dizer que essa situação ocorre em praticamente uma a cada quatro cidades. Esse resultado é obtido quando se cruza os dados do último Censo divulgado pelo Instituto de Geografia e Estatística (IBGE) e os do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).No topo da lista, analisando proporção de eleitores por habitantes de cada município, está Davinópolis, que tem 1.902 habitantes e 3.684 eleitores. Só a diferença das pessoas com domicílio eleitoral na cidade das residentes, de fato, dá quase outro município: 1.782 pessoas. Em segundo lugar, Pilar de Goiás (2.328 habitantes e 3.683 eleitores). Na terceira posição, a terceira menor cidade do Brasil, segundo o IBGE, Anhanguera, que tem 924 moradores, mas 1.257 pessoas que votam lá.Completam a lista dos dez municípios com maior proporção de eleitores com relação ao número de habitantes: Moiporá, Cachoeira de Goiás, Damolândia, Ouvidor, São João da Paraúna, Água Limpa e Adelândia. Já na outra ponta, quatro cidades, todos da região do Entorno de Brasília, tem menos da metade de sua população apta a votar no município em que moram. São eles Águas Lindas de Goiás, Novo Gama, Cidade Ocidental e Valparaíso de Goiás.De acordo com o advogado especialista em Direito Eleitoral, Danúbio Cardoso, não há uma regra que estipule que o número eleitores não possa ultrapassar o número de habitantes. “É importante lembrar que o domicilio eleitoral se difere da residência. Assim, o eleitor pode possuir domicílio eleitoral por afinidade e não residir no município”, explicou.A Resolução do TSE nº 23.659/2021, em seu artigo 23, diz que, para fixação do domicílio eleitoral, “deverá ser comprovada a existência de vínculo residencial, afetivo, familiar, profissional, comunitário ou de outra natureza que justifique a escolha do município”. Justamente por isso, votar em uma cidade não necessariamente significa morar nela. A lei, inclusive, não exige isso.“Ou seja, não necessariamente o eleitor ou eleitora precisa votar onde reside, podendo optar por outro local como seu domicílio eleitoral, desde que comprovados motivos afetivos, familiares, profissionais, comunitários ou de outra natureza para justificar esta opção. Por essa razão, algumas localidades podem contar com um número maior de eleitores do que de moradores”, justificou o Tribunal Regional Eleitoral (TRE), por meio de nota.Possíveis razões da discrepânciaPara o cientista político e professor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás), Pedro Pietrafesa, os motivos que justificam uma cidade ter mais eleitores que habitantes são inúmeros. “Mudança de trabalho, estudo, enfim, uma série de razões que fazem alguém querer se mudar”, enumerou. No entanto, ele não descarta a possibilidade de fraude. “Já houve casos em que políticos foram flagrados levando eleitores de uma outra cidade para se fazer o registro”, afirmou.Em 2007, uma resolução do TSE (nº 22.586, de 6 de setembro 2007) determinou que fosse realizada revisão de eleitorado nos municípios em que, entre outros critérios, o eleitorado fosse superior a 80% da respectiva população. Na ocasião, foi exigida a comprovação documental do domicílio eleitoral nessas cidades para que os eleitores participassem do pleito eleitoral de 2008.No entanto, para as eleições municipais de 2024, não há nenhuma previsão de que isso possa ocorrer novamente. O Jornal Opção procurou o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-GO) para responder sobre a questão, mas o órgão não quis se pronunciar sobre o assunto.De acordo com o advogado especialista em Direito Eleitoral, Julio Cesar Meirelles, os tribunais regionais podem submeter à apreciação e decisão do TSE o pedido de revisão de eleitorado. Segundo ele, o procedimento é adotado quando há possíveis indícios de irregularidade na formação do eleitorado. “Mas apenas quando são preenchidos, cumulativamente, os requisitos previstos no artigo 92 da Lei nº 9.504 de 1997”, destacou.O referido artigo afirma que a revisão de eleitorado só pode ser pedida quando o total de transferências de eleitores ocorridas no ano em curso for 10% superior ao do ano anterior; o total do eleitorado for maior ao dobro da população entre 10 e 15 anos, somada à de idade superior a setenta anos do município; e quando o eleitorado for maior a 65% por cento da população projetada para aquele ano pelo IBGE.Para Kaumer Nascimento, que é sócio da Santa Dica, uma empresa que realiza pesquisas de opinião e mercado em Goiás desde 1988, os dados tanto do Censo quanto do TSE são instrumento de trabalho. Eles guiam o trabalho dos pesquisadores como forma de garantir resultados que sejam “fotografias fiéis” da realidade. No entanto, ele reclama que essas discrepâncias podem interferir, inclusive, na qualidade das pesquisas.Em municípios que têm quase o dobro de eleitores do que habitantes, Kaumer sugere que seria necessário uma recontagem: ou de habitantes ou de eleitores. “Será que o Censo foi bem feito? Será que houve algum desvio ou não? A comprovação do domicílio dessas pessoas nessas cidades está correta?”, questionou o pesquisador.Kaumer pontua ainda que o “excedente” de eleitores para além do número de habitantes, muitas vezes, pode eleger um vereador ou prefeito, além de dificultar o trabalho de quem faz pesquisas eleitorais. “Às vezes, para se fazer uma pesquisa em determinada cidade, precisamos entrevistar as pessoas em outra”, reclamou. E o inverso também é ruim, nesse caso. “Onde a gente tem muita gente e pouco eleitor tem de ter cuidado. Se eu pego qualquer um, pode ser que só durma na cidade, mas não vote lá”, comentou.Fator dificultante para campanha eleitoralO professor, analista político e estrategista em marketing eleitoral, Marcos Marinho, analisa a situação com certa preocupação. “O candidato pode ser induzido ao erro na hora da campanha e perder muito tempo pedindo voto para quem nem vota na cidade”, comentou. E, numa eleição, “o que importa é o voto”, arrematou Marcos.Tanto em cidades com mais eleitores que habitantes como na situação inversa – quando o município tem um número de eleitores bem menor do que o esperado pelo tamanho da população –, fazer uma campanha política se torna ainda mais difícil. Isso porque, na visão do estrategista, essa desproporção é um fator dificultante.Marcos explica os motivos de ser mais difícil se fazer uma campanha nesses municípios. Segundo ele, geralmente são situações do dia adia que vão influenciar na decisão do eleitor: buraco na rua, falta de creche, atendimento no posto de saúde, por exemplo. E, se alguém não vive essa realidade todo dia, a forma de convencimento também tem de ser diferente.“Quando o eleitor não vive o cotidiano do município, o critério de voto muda”, afirmou o estrategista. Além disso, os fatores que vão fazer a pessoa escolher o candidato A ou B podem ser diversos. “Ele pode ser influenciado por algum parente que mora na cidade, por exemplo”, sugeriu o analista.Quem concorda com Marcos é Pietrafesa, que também acredita que, nesses casos, candidatos dificilmente conseguirão a adesão de pessoas que votam em quem se compromete a resolver problemas de bairros. “Sem o vínculo com o bairro específico, se a plataforma política do candidato propor resolver problemas localizados, ele pode ter dificuldade”, disse. Para o cientista político, a situação encontrada nessas cidades pode definir o resultado das urnas, principalmente nas menores. “Poucos votos mudam uma eleição”, completou o professor.Outro ponto que o professor destaca que pode influenciar nas urnas é o número de eleitores que deixam de votar. “Uma abstenção alta pode definir uma eleição”, avaliou. Isso porque o simples deslocamento pode fazer com que alguém abra mão de votar. Além disso, para quem opta em não comparecer à zona eleitoral na qual está inscrito, há a possibilidade de justificar o voto ou pagar uma multa irrisória – hoje o valor é de R$ 3,51 – no caso de ausência.Marcos Marinho pontua também que é comum em cidades do interior eleições muito acirradas, em que poucos votos definem quem vai se tornar o prefeito. “Nas eleições de 2020 em Paranaiguara, por exemplo, a diferença foi de 19 votos”, lembrou. Na ocasião, o atual prefeito, Barbosinha (PSC), foi eleito com 1.670 votos, 29,56% do total. O segundo colocado, Ricardo Valadão (MDB), teve 1.651 votos (29,23%). Nesse caso, a abstenção foi de 17,74%, os votos brancos somaram 0.59% e houve ainda 1,95% de votos nulos. Paranaiguara, segundo o último Censo do IBGE, tem 7.607 habitantes e 7.007 eleitores, de acordo com os dados do TSE, o que representa 92,1% da população votante.Pietrafesa explica que essa situação – de cidades terem mais eleitores do que habitantes – deve continuar acontecendo em virtude dos processos migratórios. “Por conta da dinâmica demográfica de migração, é difícil diminuir substancialmente esse tipo de problema”, afirmou Pedro. Por isso, para ele, as autoridades precisam pensar em formas de fazer com que as pessoas fiquem em seus municípios, garantindo dinâmicas econômicas que segurem as pessoas nas cidades que hoje não oferecem emprego nem renda suficientes.

About The Author

Leave a reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *