Influência de padre Robson resiste e causa medo na capital da fé em GO
Apesar de ter sido afastado da igreja e proibido de se manifestar, presença do padre ainda é sentida e pessoas têm receio de falar sobre ele
GALTIERY RODRIGUES
Goiânia – Um dos padres mais famosos e populares da Igreja Católica no Brasil, e que é figura central numa suspeita de desvio de dinheiro doado por fiéis, o padre Robson de Oliveira, de Trindade (GO), está afastado das missas e proibido, por decreto canônico, de se manifestar, desde agosto do ano passado, quando o escândalo veio à tona. Apesar do silêncio e suposto distanciamento, a influência dele resiste, é grande e intimida moradores da capital da fé, em Goiás.
Figura de grande brilho entre devotos católicos como também de outras denominações religiosas, com pendor para estrela pop, devido a multidões que atraía fisicamente ou nos meios eletrônicos, padre Robson é o personagem principal de um escândalo com requintes de ficção.
Ingredientes não faltam para uma boa novela ou série da Netflix: exposição midiática, relacionamentos pessoais obscuros, rede intrincada de relações (contendo políticos, pessoas ricas e até polícia e Judiciário), gravações não autorizadas de encontros privados, chantagens, traições, ameaças e muito, mas muito dinheiro envolvido.
E as reviravoltas tão comuns nas tramas? Essas não apareceram ainda. Mas outro elemento de ficção que sempre envolve pessoas poderosas e influentes, e que também faz parte da história do padre, é o temor que os personagens poderosos provocam nas pessoas. O medo, esse sim, resiste em Trindade.
Falar abertamente sobre ele é um tabu entre as pessoas da cidade onde o padre nasceu, foi coroinha, formou-se missionário redentorista, sacerdote e tornou-se líder de uma das maiores festas religiosas do país. A festa do Divino Pai Eterno, que acontece entre junho e julho, atraiu 3 milhões de pessoas, em média, nos últimos anos.
O Metrópoles esteve em Trindade e procurou, durante a semana, dezenas de pessoas de diferentes áreas de atuação, conhecedoras da história ou que tiveram alguma relação com o padre. Todas expressaram o mesmo receio. Frases como “não coloque o meu nome nisso aí”, “prefiro não falar sobre isso” e “é perigoso” foram as mais repetidas, até entre seus desafetos.
“O povo aqui é problema”, expressou um dos procurados pela reportagem, que chegou a enfiar a mão no bolso do repórter, tirar o celular e jogar dentro do carro dele, que estava próximo, para que nada fosse gravado ou registrado durante a conversa. Tudo, por medo.
Aqueles que aceitaram falar pediram para não serem identificados e relataram o cenário que persiste no município. Embora afastado e envolvido em polêmicas, as influências construídas pelo padre ao longo de sua trajetória na igreja seguem vivas em várias frentes, da política à economia local, principalmente do ponto de vista financeiro.
Histórias sobre o suposto enriquecimento e a vida pessoal de padre Robson, adorado por milhares de fiéis em todo o país, sempre correram à boca miúda entre os moradores da cidade e da região. Tanto, que teriam motivado o início de chantagens e até a extorsão sofrida por ele, após um grupo criminoso ter hackeado dispositivos eletrônicos e afirmado que teria informações comprometedoras sobre a vida financeira e pessoal do sacerdote.
Articulação
A rede de articulação local que ele teria construído e, ao mesmo tempo, o crescimento de sua importância enquanto figura da igreja se contrapunham ao avanço dos “boatos”. Essa ramificação de influências recaía também sobre veículos de comunicação do estado.
O processo referente à extorsão sofrida por ele e cometida pelo grupo criminoso liderado por um suposto hacker tramitava em segredo de Justiça, em 2018. As informações, no entanto, chegaram ao conhecimento de, pelo menos, três veículos de Goiás: um jornal, um site e uma TV. Mas nada foi divulgado.
A denúncia do Ministério Público goiano (MPGO) oferecida à Justiça, na época, narra os fatos e os pagamentos milionários feitos pelo padre ao grupo criminoso, usando dinheiro da Associação Filhos do Pai Eterno (Afipe), que foi fundada por ele, em 2004, com o intuito de gerir as doações feitas pelos fiéis e administrar a construção de um novo santuário em Trindade.
O caso só chegou ao conhecimento público em março de 2019, quando houve a condenação do grupo e o MPGO publicou a notícia no próprio site. Os veículos de comunicação de Goiás que tinham as informações havia cinco meses ficaram receosos e optaram por não publicar nada a respeito, até então. O motivo: a magnitude financeira, a rede de influências poderosa e a adoração pública em torno da figura de padre Robson.
Pessoas que conviveram com o sacerdote durante a fase de extorsão, com pagamentos feitos às escondidas em estacionamento de shopping, em condomínio fechado e até dentro do próprio apartamento, em Goiânia, dizem que foi um dos piores momentos enfrentados por ele, com reflexos diretos até na saúde.
O caso materializou, aos olhos da investigação, as quantias vultosas de doações que chegavam aos cofres da Afipe: uma média de R$ 20 milhões por mês. Simultaneamente, a obra do novo santuário, iniciada em 2012, seguia em fase inicial. Foi a partir do episódio da extorsão do padre que o MPGO começou a investigar e apurar o uso do dinheiro doado pelos fiéis.
Gravações
“Não tem nada pior para ele do que tentar fazê-lo de bobo”, diz uma das pessoas que conversaram com o Metrópoles. Com o tempo, a desconfiança passou a fazer parte da rotina do padre de maneira mais incisiva. Uma consequência disso foi ele próprio ter gravado conversas particulares com advogados e assessores, como demonstrado por áudios divulgados pelo Fantástico.
Embora comprometedores e podendo prejudicá-lo, ele decidiu gravar os diálogos no próprio celular. Pessoas que o conhecem apostam que a causa seria o aumento das chantagens e da complexidade das relações que ele mantinha, tanto do ponto de vista pessoal e político quanto econômico, passando ainda pelo Judiciário goiano. Ou seja, gente influente no estado.
Um dos ex-assessores de padre Robson, o ex-vereador de Goiânia e ex-secretário de estado Tayrone Di Martino publicou vídeo na internet, após a reportagem do Fantástico ter sido veiculada, no domingo (21/2). Na filmagem, Tayrone fala que teriam políticos por trás, interferindo na investigação, mas que “tem muitas provas aí contra esses políticos que, na hora que tiver de aparecer, vai aparecer (sic)”.
Tayrone, outrora bastante próximo de Robson, foi indicado pela reportagem como mais um suposto chantageador do padre. A esposa do ex-vereador, Talitta Di Martino, frequentadora da igreja há anos e colaboradora da Afipe até 2018, foi citada como se tivesse um relacionamento amoroso com o religioso. Desde que detalhes sobre o caso começaram a ser divulgados, ela diminuiu a presença nas redes sociais.
A representatividade e o poder de padre Robson aumentaram à medida que a tradicional festa de Trindade crescia e atraía cada vez mais devotos. Junto a isso, no entanto, veio o aumento da atenção sobre o que ele fazia, falava e com quem se relacionava. Apesar do foco no Pai Eterno, tudo também girava em torno da figura dele.
Da origem simples à megalomania
Os moradores mais antigos da cidade viram Robson de Oliveira crescer. Ele veio de família simples, não muito numerosa, mas bastante conhecida. O pai e a tia foram professores em alguns dos principais colégios de Trindade. O padre estudou em escola pública e começou na igreja aos 9 anos, como coroinha.
A trajetória inicial pouco se compara à megalomania dos projetos mais recentes. “Meu irmão, minha irmã”, diz ele com a voz grave e calma a cada início de vídeo nas redes sociais e das novenas que eram transmitidas pela TV. O contato próximo sempre fez parte da personalidade comunicativa do padre, mas a visão empresarial e de marketing em torno disso teria surgido depois que ele começou a ter empresários entre seus assessores diretos.
Não só nas imediações da Basílica atual, mas em boa parte da cidade, o comércio e o turismo giram por causa da religiosidade. E padre Robson protagonizou isso em diferentes meios. “Muitos idosos vinham à cidade pela devoção ao padre”, diz uma moradora local.
Ele se referia à obra do novo santuário como “obra da minha vida” e um dos primeiros anúncios feitos sobre a construção foi a compra do que será o maior conjunto de sinos do mundo, fabricado na Polônia e que custará R$ 17 milhões. Só o terreno tem 15 alqueires (72,6 hectares) e é mais de 20 vezes maior do que a basílica atual.
O padre sempre disse que queria levar o Pai Eterno ao maior número de pessoas possível. Chegou a abrir campanha de assinaturas, em 2016, para que o papa Francisco visitasse a cidade e mais de 2 milhões de pessoas assinaram. Os números em torno dele cresceram tanto que eram sempre assim, na casa dos milhões. E, ao mesmo tempo que eles atraíam, eles intimidavam. E seguem intimidando.