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Jovens ‘sem religião’ superam católicos e evangélicos em SP e Rio

Jovens ‘sem religião’ superam católicos e evangélicos em SP e Rio

Os ‘sem religião’ já são mais de 30% dos jovens de 16 a 24 anos no Rio e em São Paulo, indica Datafolha

“Eu não tenho religião, sempre fui totalmente pura a isso. Eu acredito em tudo, primeiramente em Jesus, o único Deus todo poderoso. Também acredito em entidades, que me ajudaram muito e sempre que puderem vão me ajudar… Acredito em energias, no universo…”

Assim Mariana Oliveira Viana, de 21 anos e moradora do Rio de Janeiro, definiu em uma rede social suas crenças.

Manicure autônoma e moradora do bairro de Irajá, na Zona Norte do Rio, Mariana tem parte da família evangélica, uma mãe que frequenta a umbanda e um irmão de 24 anos que, como ela, não segue uma religião, mas acredita em Deus.

“Minha família sempre deixou que o outro tenha total liberdade, ninguém fica questionando nada a ninguém”, conta Mariana à BBC News Brasil.

Não batizada em nenhuma religião, a jovem frequentou terreiros e igrejas, e diz ter se sentido bem em todos esses lugares. Assim, decidiu não escolher uma religião e acreditar em tudo.

“Fui abrindo a mente com isso com o tempo, fui amadurecendo, no sentido de ter respeito por todas as religiões e ter a mente aberta com isso.”

Os ‘sem religão’ no Censo e no Datafolha

Mariana é uma de milhares de jovens brasileiros que se auto definem como “sem religião”, grupo que já supera católicos e evangélicos entre a população de 16 a 24 anos no Rio e em São Paulo, segundo as primeiras pesquisas Datafolha do ciclo eleitoral de 2022.

No Censo de 2010, os sem religião eram 8% da população brasileira, ou mais de 15 milhões de pessoas. Esse percentual vem crescendo década após década: os sem religião eram 0,5% da população brasileira em 1960, 1,6% em 1980, 4,8% em 1991 e 7,3% em 2000.


Com o adiamento do Censo populacional de 2020 para este ano, devido à pandemia, ainda não é possível saber de forma definitiva o que aconteceu com a religiosidade brasileira na última década.

Mas as pesquisas eleitorais, cujas amostras são construídas com objetivo de refletir a realidade da população brasileira, dão pistas importantes neste sentido.

As primeiras pesquisas Datafolha de 2022, por exemplo, mostram que, em nível nacional, 49% dos entrevistados se dizem católicos, 26% evangélicos e 14% sem religião — já acima dos 8% sem religião identificados no último Censo.

Entre os jovens de 16 a 24, o percentual dos sem religião chega a 25% em âmbito nacional.

Nas pesquisas Datafolha para Rio de Janeiro e São Paulo, o crescimento dos brasileiros que se dizem “sem religião” é ainda mais marcante, particularmente entre os jovens.

Em São Paulo, os jovens de 16 a 24 anos que se dizem sem religião chegam a 30% dos entrevistados, superando evangélicos (27%), católicos (24%) e outras religiões (19%).

No Rio, os sem religião nessa faixa etária chegam a 34%, também acima de evangélicos (32%), católicos (17%) e demais religiões (17%).


Mas o que significa ser “sem religião” no Brasil? Por que esse grupo cresce, e como isso se relaciona com a diminuição da população católica e ascensão das religiões evangélicas no país?

Por que esse fenômeno é maior entre os jovens e nas grandes cidades? E que relação tudo isso tem com o comportamento eleitoral da juventude brasileira?

A BBC News Brasil ouviu três cientistas sociais especialistas em religião para explicar o fenômeno.

Quem são os brasileiros ‘sem religião’

Em primeiro lugar, é preciso ter clareza que apenas uma minoria dos “sem religião” no Brasil são ateus ou agnósticos. Os ateus são pessoas que não acreditam na existência de Deus, já os agnósticos avaliam que não é possível afirmar com certeza se Deus existe ou não.

No Censo de 2010, por exemplo, dos 15,3 milhões de brasileiros que se diziam sem religião, apenas 615 mil (4% dos sem religião) se consideravam ateus e 124 mil se afirmavam agnósticos (0,8%).

“A maior parcela dos sem religião tem a ver com uma desinstitucionalização, o que quer dizer que o sujeito está afastado das instituições religiosas, mas ele pode ter uma visão de mundo e até mesmo práticas pessoais informadas por crenças religiosas”, explica Silvia Fernandes, cientista social e professora da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro).

Entre outros livros, ela é autora de Jovens religiosos e o catolicismo — escolhas, desafios e subjetividades (Quartet/FAPERJ, 2010), Novas Formas de Crer — católicos, evangélicos e sem-religião nas cidades (Promocat, 2009) e organizadora de Mudança de religião no Brasil — desvendando sentidos e motivações (Palavra e Prece, 2006).

“Então esse sujeito é sem religião porque não está vinculado a uma igreja, porque não frequenta, mas pode ter crenças relacionadas a alguma religião que já teve ou ter uma dimensão mais pluralista da religiosidade”, diz a especialista.

“Ele incorpora elementos de uma espiritualidade mais fluida, pode fazer um sincretismo [misturar elementos de diferentes religiões], pode ter crenças muito associadas ao universo do cristianismo — acreditar em Deus, em Jesus, em Maria — mas seguir se declarando sem religião.”

Mariana, a carioca de Irajá que acredita em Deus, em Jesus, nas entidades da umbanda e em energias é um exemplo típico desses brasileiros sem religião, mas de forma alguma sem fé.

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