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Aborto e direitos reprodutivos devem ser encarados em forma ampla no Brasil Aline Bouhid

Aborto e direitos reprodutivos devem ser encarados em forma ampla no Brasil Aline Bouhid

Nesta semana, portaria do governo Lula revogou medida de Bolsonaro que exigia que médicos comunicassem abortos por estupro às autoridades policiais

O polêmico assunto “aborto” acabou voltando à pauta nesta semana em razão da revogação de portaria da gestão Bolsonaro, que exigia dos médicos a comunicação de abortos por estupro às autoridades policiais, dificultando o caminho do aborto legal. “Serão revogados, nos próximos dias, as portarias e notas técnicas que ofendem a ciência, os direitos humanos, os direitos sexuais reprodutivos”, disse a ministra Nísia Trindade.
Vale lembrar que no Brasil o aborto é legalizado em três casos distintos: quando a gravidez é decorrente de um estupro; quando há risco de morte para a gestante; e quando existe anencefalia do feto. O procedimento nesses casos deve ser disponibilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e não é preciso uma decisão judicial. A portaria fala apenas sobre os casos já previstos na lei, mas acredito que isso pode ser uma oportunidade para refletirmos de forma ampla o direito de escolha e sobre o próprio corpo.
Há oito anos, com o nascimento do meu filho pude vivenciar uma das experiências mais intensas da minha vida. Cada maternar é diferente e com certeza cada mãe sabe a dor e a delícia de ser o que se é, lembrando Caetano. Por ser uma experiência avassaladora acredito que só pode ser plenamente vivenciada se for desejada. Só o desejo é capaz de legitimar as experiências da vida.
O problema do desejo de maternar é que essa não é a realidade para muitas mulheres. Dados sobre o aborto mostram que uma em cada cinco brasileiras já o realizou ao longo da vida. E, mais que a maioria (60%), o realizou no ápice da vida reprodutiva entre os 18 e 29 anos. Para falar que isso é papo de quem não tem Deus, os dados mostram o contrário: dois terços das mulheres que abortaram são católicas e um quarto, protestantes ou evangélicas.
É importante enxergar os direitos reprodutivos de forma ampla. Deve-se verificar o bem-estar das crianças que já têm em casa e que não merecem sofrer a tragédia da morte de suas mães. Observar a vida dos que nascem e precisam ser acolhidos e amparados, mas tantas vezes são excluídos e condenados pela imensa desigualdade e pela miséria. E entender o futuro de uma sociedade que não pode evoluir enquanto os direitos das mulheres são gravemente violados.
Sou mãe, e nem por isso é justo usar a maternidade desejada como pretexto para criticar outras mulheres, minhas irmãs, e tampouco defender um modelo perverso que criminaliza o aborto e não consegue coibir sua prática, e que só resulta em sofrimento, dor e morte.

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