STF manda investigar governo Bolsonaro por suposto genocídio
Em meio à crise yanomami, Barroso diz que documentos indicam ações e omissões de autoridades federais que agravaram a situação de comunidades indígenas, incluindo a publicação de data de operações contra garimpo.
O Supremo Tribunal Federal (STF) ordenou nesta segunda-feira (30/01) a abertura de uma investigação contra autoridades do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro por suspeitas de prática de genocídio e de outros tipos de crimes contra comunidades indígenas.
A ordem foi encaminhada à Procuradoria-Geral da República (PGR), ao Ministério Público Militar, ao Ministério da Justiça e Segurança Pública e à Superintendência da Polícia Federal em Roraima.
As apurações também devem incluir suspeitas de quebra de segredo de Justiça, desobediência e delitos ambientais que ameaçaram a saúde, a segurança e a vida de diversas comunidades indígenas.
Na decisão, o ministro do STF Luís Roberto Barroso diz que diferentes documentos analisados “sugerem uma situação absoluta de insegurança para os povos indígenas envolvidos, bem como ações e omissões por parte das autoridades federais que a agravaram”.
O despacho de Barroso foi emitido dez dias após o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter declarado Emergência em Saúde Pública no território indígena Yanomami, em Roraima, em meio a um número crescente de mortes e hospitalizações de indígenas devido à fome e a várias doenças.
Grave situação humanitária
O magistrado citou, na decisão, um relatório recebido da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) sobre a “grave situação humanitária” que os yanomami enfrentam devido à desnutrição, à propagação da malária, às elevadas taxas de mortalidade e à contaminação de rios pelo mercúrio de garimpos.
O ministro citou possíveis atos de desobediência de decisões do STF que ordenavam ao governo Bolsonaro, por exemplo, a remoção dos estimados quase 20 mil garimpeiros que operavam ilegalmente na reserva, bem como vazamento de data em que seria realizada operação – o que teria permitido a fuga de garimpeiros.
Segundo Barroso, os fatos ilustram “quadro gravíssimo e preocupante”, bem como a suposta prática de múltiplos ilícitos, com a participação de altas autoridades federais.
Antes da decisão do Supremo Tribunal, também nesta segunda-feira, o Ministério Público Federal (MPF) anunciou a abertura de outro inquérito para determinar se as ações ou omissões do Estado contribuíam para a crise humanitária dos yanomami.
Falta de combate ao garimpo ilegal
Segundo Barroso, diversas medidas do governo Bolsonaro podem ter comprometido operações de repressão a garimpeiros, como a divulgação, no Diário Oficial da União, de data e local de realização de operação sigilosa de intervenção em terra indígena. As informações foram publicadas pelo ex-ministro da Justiça Anderson Torres, atualmente preso por suspeita de colaboração com os atos antidemocráticos de 8 de janeiro.
A Coordenação de Operações de Fiscalização do Ibama também divulgou, conforme o magistrado, a data e o local da operação em e-mail destinado aos servidores do órgão.
Barroso também citou indícios de alteração do planejamento da Operação Jacareacanga, pela Força Aérea Brasileira (FAB), que comprometeram o sucesso da ação.
Expulsão de garimpeiros
Em relação a outra ação, apresentada pela Apib, Barroso determinou a expulsão de todos os garimpeiros das terras indígenas yanomami, karipuna, uru-eu-wau-wau, kayapó, arariboia, mundurucu e trincheira bacajá. No processo, a Apib questiona a falta de proteção a essas comunidades durante a pior fase da pandemia de covid-19.
Segundo Barroso, a retirada deverá começar pelas áreas em situação mais grave. “A estratégia anteriormente adotada, de ‘sufocamento’ da logística de tais garimpos, não produziu efeitos, se é que foi implementada”, escreveu o ministro.
Barroso estabeleceu um prazo de 30 dias para o governo Lula apresente um diagnóstico da situação das comunidades indígenas e um plano, com um calendário, para cumprir a ordem de retirar os mineiros ilegais das reservas.