Velha política parte turbinada para eleições de 2022
Com o controle de emendas parlamentares e um fundo eleitoral de quase R$ 5 bilhões, políticos veteranos se fortalecem para o pleito deste ano e devem sepultar de vez a alardeada renovação do Congresso Nacional
Três anos depois da eleição que promoveu uma grande renovação na Câmara e no Senado, em meio à onda anticorrupção que ajudou Jair Bolsonaro (PL) a conquistar a Presidência da República, o balanço desse período sinaliza que o mesmo fenômeno não deve ocorrer no pleito de 2022.
A atual legislatura começou com 243 deputados federais eleitos pela primeira vez, o que corresponde a 47,3% das cadeiras da Câmara. No Senado, a mudança foi ainda maior: das 54 vagas em disputa, 46 foram ocupadas por estreantes — 85%.
Desde então, porém, a alardeada renovação se limitou a novos rostos. Nesses três anos, vários deputados e senadores eleitos com a bandeira do bolsonarismo acabaram se tornando adversários do governo, em meio a uma sucessão de crises. Isso aconteceu, por exemplo, com parlamentares do PSL, em razão de um racha interno no partido pelo qual o presidente foi eleito. Sem o apoio do Planalto, que envolve, entre outras benesses, a liberação de emendas, muitos desses congressistas caíram no anonimato.
Ao mesmo tempo, o que se viu, nesse período, foi o fortalecimento da chamada “velha política”, que o bolsonarismo prometia erradicar. O Centrão, por exemplo — bloco partidário sem coloração ideológica definida e que, tradicionalmente, apoia os governos —, ficou ainda mais poderoso ao se aliar a Bolsonaro. Com o controle da destinação de verbas de emendas parlamentares, sobretudo as do orçamento secreto, esse grupo tem privilegiado políticos veteranos, que ganham fôlego para tentar a reeleição neste ano.
Outro fator que pode inibir uma grande renovação no Congresso é o valor do fundo eleitoral, aumentado pelo Congresso de R$ 2 bilhões para R$ 4,9 bilhões. A distribuição desses recursos, segundo analistas, deve privilegiar candidatos que estão no exercício do mandato.
A queda de popularidade de Bolsonaro também tem potencial para impactar as eleições proporcionais. O apoio declarado do presidente a postulantes ao Congresso não deve ter o mesmo peso de três anos atrás.
Por outro lado, o favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na corrida pelo Planalto, apontado pelas pesquisas, pode refletir positivamente nas campanhas de candidatos de partidos progressistas ao Congresso. Outro trunfo desse segmento é a ideia da criação de uma federação de legendas de esquerda.
“O arquivamento dos processos do Lula deu gás grande para a esquerda em geral e para o PT, em particular. O PT tinha apoio popular abaixo de 15%; hoje, chega a 28%. Isso vai se reverter em votos”, avalia Antônio Augusto Queiroz, analista político e diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
Segundo ele, os partidos progressistas, reunidos em uma federação, disputarão, em melhores condições, as chamadas sobras eleitorais — vagas não preenchidas pelo quociente eleitoral. “Quem tem mais votos no conjunto se beneficia. Por exemplo: os partidos de esquerda, separados, teriam 15 cadeiras a menos do que terão juntos, como uma federação”, frisa Queiroz.
O diretor do Diap também considera que as forças conservadoras terão menos potencial nesta eleição do que na passada, porque, hoje, não há o mesmo clima de contestação do sistema político — que foi embalado pela Lava-Jato, pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) e pelas grandes manifestações de rua.
“Plebiscito”
O professor Paulo Calmon, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), avalia que as eleições terão um caráter plebiscitário para o bolsonarismo. “É difícil prever neste momento, porque estaremos diante de circunstâncias muito distintas daquelas com as quais nos deparamos nas últimas eleições. Mas arriscaria dizer que o foco será na gestão da economia e da pandemia, colocando o governo Bolsonaro em xeque e abrindo espaço para uma grande renovação na Câmara”, sustenta. “No Senado, onde cada estado elegerá apenas um parlamentar, as mudanças tendem a ser menores.”
Segundo o docente, o cenário para os bolsonaristas será muito mais adverso no próximo pleito, porque, “além de se tornarem ‘vitrine’, terão de enfrentar não apenas a competição de uma federação de partidos de esquerda, mas também de outras legendas de centro-direita que rejeitaram a aliança com os apoiadores do presidente”.
Já o cientista político e pesquisador Leonardo Queiroz Leite chama a atenção para os possíveis impactos que a construção de uma terceira via, formada por siglas de centro-direita, terá nas eleições proporcionais. “Uma questão que nós temos de observar é a força que a chamada terceira via terá, principalmente após a filiação do (ex-juiz da Lava-Jato Sergio) Moro ao Podemos. É um campo conservador, de direita, mas não uma direita tosca, estridente, extremista, negacionista, como esta que está com Bolsonaro”, enfatiza Queiroz.
Ele também compartilha da opinião de que este não deve ser um ano positivo para os candidatos que pretendem atrelar sua imagem à do presidente. “É preciso observar o declínio de Bolsonaro, que está cada vez mais evidente, com elevadas taxas de reprovação, queda de popularidade, enfim. Isso tende a refletir naqueles candidatos ao Congresso que tentam ir nessa onda, que, na minha avaliação, deve ser mais fraca do que aquela do bolsonarismo, do antipetismo, do lavajatismo, que impulsionou Bolsonaro e uma grande bancada”, acredita o especialista.